[PEDRO LUSO DE CARVALHO]
RUBEM BRAGA (1913 - 1990)
é considerado pela crítica como um dos nossos melhores cronistas. Figura entre
nomes importantes como o de Machado de Assis, João do Rio, Humberto Campos, Sérgio
Porto, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Manoel
Bandeira, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Ignácio Loyola Brandão, Carlos
Eduardo Novaes, Luís Fernando Verissimo, Moacyr Scliar, entre outros.
Segue a crônica de Rubem Braga, intitulada Madrugada (In Braga. Rubem. O verão e as
mulheres. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 25-27:
[ESPAÇO DA CRÔNICA]
MADRUGADA
(Rubem Braga)
Todos tinham-se ido, e eu
dormi. Mesmo no sonho, me picava, como um inseto venenoso, a presença daquela
mulher. Via os seus joelhos dobrados; sentada sobre as pernas, na poltrona,
descalça, ela ria e falava alguma coisa que não podia perceber, mas era a meu
respeito. Eu queria me aproximar; ela e a poltrona recuavam, passavam sob
outras luzes que brilhavam em seus cabelos e em seus olhos.
E havia muitas vozes, de
homens e de outras mulheres, ruídos de copos, música. Mas isso tudo era vago:
eu fixava a jovem mulher na poltrona, atento ao jogo de sombra e luz em sua
testa, em sua garganta, nos braços: seus lábios moviam-se, eu via os dentes
brancos, ela falava alegremente. Talvez fosse alguma coisa dolorosa para mim,
eu ouvia trechos de frases, mas ela estava tão linda assim, sentada sobre as
pernas, os joelhos dobrados parecendo maiores sob o vestido leve, que o prazer
de sua visão me bastava; uma luz vermelha corou seu ombro esquerdo, desceu pelo
braço como uma carícia, depois chegou até o joelho. Eu tinha a ideia que ela
zombava de mim, mas ao mesmo tempo isso não me doía; sua imagem tão viva era
toda minha, de meus dois olhos, e isso ela não me negava, antes parecia ter
prazer em ser vista, como se meu olhar lhe desse mais vida e beleza, uma
secreta palpitação.
Mas agora todos tinham
sumido. Ergui-me, fui até a varanda, já era madrugadinha. Sobre o nascente,
onde a barra do dia ainda era uma vaga esperança de luz, havia nuvens leves,
espalhadas em várias direções, como se durante a noite o vento tivesse dançado
no ar. Depois, aos poucos, foi se acendendo um carmesim, e sob ele o mar se fez
quase verde. Eu ouvia a pulsação de um motor; um pequeno barco preto passava
para oeste, como se quisesse procurar as sombras e precisasse pescar na
penumbra. Imaginei a faina dos homens lá dentro, tomando café quente na caneca,
arrumando suas redes, as mãos calosas puxando cabos grossos, molhados, frios,
as caras recebendo o vento da madrugada no mar, aquele motor pulsando como fiel
coração. Duas aves de asas finas vieram de longe, das ilhas, passaram sobre meu
telhado, em direção às montanhas. De longe vinha um chilrear de pássaros
despertando.
Dentro de casa, no
silêncio, parecia ainda haver um vago eco de vozes que tinha falado na noite:
os móveis e as coisas ainda respiravam a presença de corpos e mãos. E a poltrona
abria os braços, esperando recolher outra vez o corpo da mulher jovem. Apaguei
as luzes, fiquei olhando o mar que a luz nascente fazia túmido. Uma brisa
fresca me beijou. E havia um sossego, uma tristeza, um perdão, uma paciência e
uma tímida esperança.
Fevereiro, 1953
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Maravilloso poeta, gracias por compartir, un honor para mí leerlos.
ResponderExcluirUn abrazo.
Obrigado, Soledade, por sua visita.
ExcluirEspero que volte mais vezes.
Abraços,
Pedro.
Suas publicações são muito ricas,maravilhosas. Seus blogs são impecáveis. Tudo é inspirador por aqui. Foi muito bom descobrí-lo. Venho, agora, sempre, beber dessa fonte. Obrigada e parabéns.
ResponderExcluirFátima:
ExcluirÉ com alegria que recebo sua visita e as suas referências bondosas ao meu trabalho.
Estarei aguardando outras visitas suas.
Abraços,
Pedro.
Salut !:) Odorica
ResponderExcluirOdorica:
ExcluirFoi bom bom revê-la por aqui.
Volte mais vezes.
Abraços,
Pedro.